Uma das melhores ferramentas à disposição de oficiais de saúde no combate a doenças contagiosas como a COVID-19 é uma técnica chamada Rastreamento de Contatos. Ela consiste em rastrear indivíduos que estiveram em contato com pessoas infectadas pela doença em questão. Este método é uma forma eficiente de desacelerar o contágio, encontrando e isolando casos e possíveis infecções.

Apesar de eficiente, este pode ser um processo lento. Oficiais têm que entrevistar o indivíduo infectado para saber quais locais ele frequentou e com quem teve contato. Dependendo da situação, pode ser necessário também entrevistar pessoas do círculo social do paciente ou qualquer outra pessoa que possa saber outros possíveis contatos. Após esse trabalho de mapeamento de contatos, o próximo passo é contatar as pessoas que estiveram em contato com o paciente, avisando-os da infecção e orientá-los em como agir para evitar novas infecções.

Em vista da disseminação mundial da pandemia COVID-19, companhias de tecnologia e governos estão trabalhando em conjunto para acelerar e automatizar essa técnica. Os primeiros exemplos disso vêm do continente asiático, onde o vírus foi inicialmente descoberto e onde começou a se disseminar. O governo Chinês, em parceria com a Alipay, a maior plataforma de pagamentos via celular no país, desenvolveu uma aplicação que pode ser utilizada por seus cidadãos para verificarem se estiveram em contato com alguém que foi recentemente diagnosticado com COVID-19. Em Singapura, um aplicativo chamado TraceTogether foi disponibilizado para auxiliar o Rastreamento de Contatos utilizando Bluetooth, através do protocolo open-source BlueTrace.

No Ocidente, as gigantes Apple e Google estão trabalhando em conjunto para implantar o rastreamento automatizado de contatos em suas plataformas. O plano delas funciona de forma similar ao protocolo BlueTrace: utilizar Bluetooth para rastrear contatos que estiveram próximos de você. Mas como isso vai funcionar?

As APIs (Interfaces de programação de aplicações) que estas empresas estão construindo funcionam relativamente como uma troca de cartões de visita. Cada smartphone terá uma chave anônima específica e única para identificação. Pense nisso como o cartão de visita, mas sem nenhuma informação pessoal, como seu nome ou endereço, e apenas com um número aleatório de identificação. Sempre que o smartphone se aproximar de outro (como quando você se aproxima de outra pessoa), eles irão trocar essas informações entre si via Bluetooth. A chave de identificação do outro smartphone ficará salva no seu para referência futura. Essa troca de informações não será instantânea — depende de fatores determinantes para o contágio da doença, como distância física e duração da interação.

Diagrama explicando a troca de chaves entre smartphones

Se uma das pessoas que interagiram com você nos últimos 14 dias foi diagnosticada com COVID-19 e o seu smartphone trocou chaves com o dela, você poderá ser notificado que foi exposto a alguém que testou positivo (claro, sem dados que possam expor a pessoa, como o nome). No caso de você próprio testar positivo, você terá a opção de notificar quem interagiu com você nas últimas duas semanas. Caso opte por notificar, então seu smartphone irá enviar para a nuvem todas as chaves que foram armazenadas neste período para contactar cada indivíduo em questão.

Diagrama explicando o sistema de notificação para diagnósticos positivos de COVID-19

Obviamente, este sistema depende de consentimento e adoção dos usuários. Ele não será habilitado por padrão, mas vai necessitar da autorização do usuário para poder funcionar. Isso atenuará as preocupações com privacidade, afinal o processo só ocorrerá se todos os usuários envolvidos permitirem, mas também poderá dificultar a adoção generalizada.

As empresas afirmam que esta funcionalidade será lançada em duas fases. A primeira fase, prevista para estar disponível em meados de maio, consiste em fornecer APIs de Rastreamento de Contatos a autoridades e organizações de saúde, que integrarão a funcionalidade em seus aplicativos. Esta fase, apesar de útil inicialmente, pode não ser amplamente utilizada, pois requer que os usuários instalem os apps criados pelas organizações de saúde pública.

A segunda fase do lançamento é a que deve alcançar o maior número de pessoas. A Apple e a Google pretendem implementar Rastreamento de Contatos dentro de seus sistemas operacionais, iOS e Android. Isso tornará o processo de rastreamento digital de contatos disponível para mais de 80% dos dispositivos Android e mais de três quartos dos dispositivos iOS. Neste caso, após a detecção de um caso positivo dentre os contatos, o sistema operacional ainda solicitará ao usuário que baixe o aplicativo da organização de saúde pública local para os próximos passos no combate à doença.

Esta tecnologia será crucial nos próximos passos da luta contra o novo Coronavírus, à medida que governos ao redor do mundo procuram por soluções que possam ajudar a reduzir a necessidade de quarentenas. As companhias de tecnologia estão dando às instituições ferramentas que ajudam na luta, mas, para que elas possam funcionar, os governos devem assumir a responsabilidade pela implementação na sociedade. São eles que terão de adotar esta nova funcionalidade em seus aplicativos, gerenciar as bases de dados que irão manter o sistema funcionando e conscientizar a população quanto à importância de utilizar essa ferramenta. Um trabalho bem feito nesse aspecto isso será essencial para lidar com a crise de maneira eficiente, ao passo que medidas de distanciamento tendem a ser relaxadas em todo o mundo.